O EX-VOTO é
um testemunho colocado através da desobriga em salas de milagres de igrejas e
santuários católicos, em formas variadas de bilhetes, esculturas, quadros
pictóricos, fotografias, mechas de cabelo, CDs, DVDs, monóculos, enfim uma
infinidade de objetos que ficam no espaço denominado “de milagres”.
Em um dicionário da língua portuguesa encontra-se a
seguinte definição: “Quadro, imagem, inscrição ou órgão de cera ou madeira
etc., que se oferece e se expõe numa igreja ou numa capela em comemoração a um
voto ou promessa cumpridos”. (FERREIRA, Apud OLIVEIRA, 2009).
As enciclopédias nacionais brasileiras seguem a mesma
linha definidora do dicionário, ao conceituarem o ex-voto como quadro ou objeto
suspenso em lugar santo, em cumprimento de promessa ou de memória de graça
obtida. Ou ainda definindo-o como expressão de culto que quase sempre assume
forma retributiva, concretizada na oferta de elementos materiais, em
agradecimento de qualquer intervenção miraculosa ou graça recebida. (Id.).
Esculápio, médico na Antigüidade, na Grécia, recebia
daqueles a quem curava, a reprodução do braço, perna ou cabeça do doente.
Objetos que traziam em suas formas os traços, as marcas e os sinais,
artisticamente detalhados, dos males ocorridos nas referidas partes do corpo.
Esse costume se generalizou a partir dos gregos, tomando conta, por volta de
2000 a.C., de grande parte do Mediterrâneo, em locais sagrados, santuários,
onde os crentes pagavam suas promessas aos seus deuses. Os santuários de Delos,
Delfos e Epidauro, na Grécia, notabilizaram-se pela quantidade e qualidade das
ofertas recebidas. (Ib).
Hoje, no mundo, os pequenos e grandes santuários
católicos apresentam acervos efêmeros em suas salas de milagres. Objetos que
ficam por pouco tempo nas salas. Objetos que vão para museus, e outros que
simplesmente somem por algum tipo de descarte. Salas famosas como as de Nossa
Senhora Aparecida, no Brasil, Guadalupe, no México, Lourdes, na França e
outras, apresentam a riqueza tipológica desses objetos.
Os objetos ex-votivos, em sua rica tipologia,
primam-se de riqueza e se encontram multidisciplinarmente, passíveis de estudos
em diversas ciências: são testemunhos históricos, fontes artísticas, media da cultura popular, da religiosidade
católica; testemunhos que atestam variados valores do homem, e que, por
atestarem, mostram-se em múltiplas linguagens, desafios para as ciências das
letras e da comunicação.
São quase que infinitos os tipos de ex-votos
conhecidos, condicionando-se o maior número de determinado modelo ao próprio
meio geográfico, embora isso não tenha caráter determinante, pois encontraremos
modelos nordestinos na região Sul do Brasil, como podemos notar no Centro-Oeste
também uma tipologia encontrada no Norte e Sul.
Hoje os ex-votos são mais trabalhados, cientificamente, nos campos da Comunicação, Antropologia, Psicologia e Museologia, cuja obra marcante vem da pesquisadora
Maria Augusta Machado da Silva, com o livro Ex-votos e orantes no Brasil, de
1981, relatando a evolução e consumação da sala em “sala de milagres”, cujos
ex-votos vão para os museus. A autora estuda, em sua obra, a propagação de
idéias, baseadas em cultura proporcionada por um culto elucidado com fins de
salvação, que em sua conclusão vai culminar com o acúmulo das desobrigas
votivas, mas que também a contingência de suplicantes de diversificados
interesses aumentará.
Tem crescido consubstancialmente as dissertações e
teses, principalmente voltadas para o ex-voto em si ou os ex-votos
tradicionais. Há, todavia, restrições em alguns textos e trabalhos diversos,
que teimam em focar o objeto como arte menor ou popular ou elemento de magia,
da pobreza, da imaterialidade e do folclore. Pontos que desvirtuam o elemento
ex-voto para ares abstratos e de deslocamento cultural-religioso e histórico.
É fato que hoje podemos encontrar novas publicações
que contextualizam os ex-votos em diversos campos da Comunicação Social, quando
eles são estudados e observados na bifurcação cultura de massa-cultura popular,
mídias clássicas-folkcomunicação. Esse fator pode ser visto no Brasil, com
produções que se agrupam em congressos, seminários, cátedras e grupos, como a
Rede Folkcom. O termo
folkcomunicação foi defendido em 1967, na primeira tese de doutorado em
Comunicação Social do Brasil, pelo jornalista Luiz Beltrão, na UNB. Hoje
deveras trabalhado pelo mestre José Marques de Melo.
As novas produções se distinguem de estudos das
décadas de 1950 a 1970 – ricas evidentemente – que se fixavam no tradicional,
nos ex-votos pictóricos e nos escultóricos. Hoje, com as pesquisas questionando
“tradição”, “preservação”, “apreensão”, “publicidade” e “mídia”, o ex-voto é
visto sem padrões, cujas formas foram alteradas pelas tipologias que não
possuem limites, em espaços onde se vê de miomas in vitru a computadores, de objetos fálicos em
parafina a capacetes de pilotos de motociclismo e automobilismo.
Ou seja, os ex-votos, a cada tempo que passa, deixam
de ser feitos por “riscadores de milagres” e santeiros, e vem passando por uma
etapa (ainda em voga) fotográfica, até chegar às cartas, as placas, aos objetos
orgânicos, às esculturas trabalhadas em alta reprodutibilidade, e até mesmo
CDs, DVDs e agradecimentos em sms mostrados em LCDs de salas de milagres.
Esse é um dos fatores que a
presente proposta busca, ou seja, perceber e analisar em cada sala de milagres
que incursiona, as divergências, a paridades, a singularidade, pluralidade e a
tradição iconográfica, e dentro de toda a rica tipologia, dados e informações
que trazem assuntos particulares, da cura, dos estudos, da sorte, da economia,
nos quais o pesquisador pode perceber situações das regiões, das famílias, do
indivíduo, enfim, do país. É nessa visão que se pode perceber o ex-voto como
uma potencial mídia popular, num dizer de Melo (2008), uma folkmedia.
O ex-voto é fonte para diversos estudos, mas antes de
tudo, é um objeto comunicacional, que flui e frui em salas de milagres,
trazendo ao observador, histórias de vencedores e perdedores, histórias que os
crentes não podem mostrar nas grandes mídias, nas mídias clássicas, como em
jornais, TVs, rádios e a maioria dos museus, mas que, no espaço dito “dos
milagres” se pode difundir, divulgar, dar “voz” a todos, sem qualquer custo
para a apreensão de realidades ocultas pelos mass media.
Vale ressaltar a transição dos ex-votos para os
museus, o que implica na capacidade do sistema de documentação museológico
(SDM), que trabalha dados e informações sobre o objeto. Com esse conhecimento
será observada a possibilidade que os santuários têm de criar os seus museus para
o “escoamento” dos ex-votos mais “significantes”, o que acontece em vários
santuários do Brasil.
Dessa forma, vendo que em países como Brasil, México,
França, Itália, República Tcheca e Portugal desenvolvem estudos em diversos campos sobre os ex-votos, é
que se faz necessário o compromisso que se assume aqui neste projeto, que é o
de analisar as riquezas gramatical, iconográfica e patrimonial ex-votivas das
Américas, implementar e enriquecer o BDI do Núcleo de Pesquisa dos Ex-votos, num ritmo contínuo, desdobrando agora para o
desenvolvimento de textos, para que se possa dialogar com grandes grupos de
estudos estrangeiros, estejam eles ligados à Comunicação Social, a Museologia,
Artes ou a Psicologia, e não mais localizados em conceitos superados.
Diante disso, o Projeto Ex-votos do Brasil, com sua nova etapa “Ex-votos
do México”, tem por
objetivos e metas pesquisar e analisar, a luz da Comunicação Social, os ex-votos das salas
de milagres, dos museus e igrejas mexicanos, que compoem o roteiro estabelecido
pelo projeto, para estudar os discursos, a iconografia e os seus múltiplos
formatos que trazem mensagens, dados e informações diversas.
Imagens de objetos ex-votivos, documentados em
incursões sala de milagres da Cidade de Milagres, sala de milagres de Monte
Santo, Santa Brígida - Bahia. Imagens do Banco de Dados
Iconográfico do Projeto.
Ex-votos da Sala de Promessas de Nossa Senhora dos Milagres, da Cidade de Milagres. |
Ex-votos tradicionais, esculpidos em madeira, Santuário Bom Jesus de Monte Santo, Cidade de Monte Santo, Ba.
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