Por Flávia Martins. Redação. In: CINFORM. Aracaju (SE) 17 a 23 de setembro de 2007. ano XXV. Edição 1275. Cultura e Variedades. cultura@cinform.com.br
Ir à bucólica São Cristóvão é nunca perder a viagem, mas se o propósito do visitante for conhecer o Museu dos Ex-Votos, o melhor émudar a rota e os planos. Por medida de segurança, o frei João José Costa, 49 anos, decidiu proibir a visitação ao local depois do acidente com a auxiliar de serviços gerais Maria Nivalda Santos de Santana, 56. Ela fazia a limpeza do chão quando uma das peças deixadas por fiéis em gratidão a Nosso Senhor dos Passos por uma graça alcançada despencou do teto e lhe atingiu a cabeça.
"A retirada, de forma emergencial, foi para preservar a vida das pessoas que por ali se locomoviam. Nós seríamos responsabilizados se uma peça caísse novamente na cabeça de alguém. Agora todas as peças estão guardadas para serem tratadas e, em seguida, recolocadas", explica o clérigo. "Eu mesma dizia: um dia isso aí ainda vai cair na cabeça de um. Parece praga: devo ser a mais pecadora da igreja", brinca dona Nivalda, que ainda exibe os três pontos do corte feito pela peça despencada.
Esta é a primeira vez, porém, que o Museu dos Ex- Votos, criado em 1990, é fechado ao público. Ainda bem que a época de maior visitação ao lugar coincide com o período da festa em louvor a Nosso Senhor dos Passos: segundo fim de semana da Quaresma. "Esse é o período em que o museu é mais freqüentado. Além daqueles que vêm pagar as suas promessas, tem aqueles que vêm também rever o seu exvoto e os que vêm à festa pela questão devocional", diz a secretária Epifània Pinto Fontes, 58 anos, devota declarada do santo.O 'acervo' do Museu dos Ex-Votos guarda uma impressionante quantidade de peças que reproduzem uma parte qualquer do corpo humano, o que gera uma plasticidade ímpar aos visitantes. As pessoas fazem votos pros santos por qualquer tipo de reabilitação e depois reproduzem, em peças de madeiras, os órgãos do corpo que alcançaram a cura e vão depositá-Ios no Museu de São Cristóvão.
PROBLEMA MAIOR Segundo João Costa, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacionaljá estáa par da situação. "A gente está buscando apoio, inclusive, do Iphan para a reestruturação do museu", afirma o frei. O problema maior, como sempre, é a falta de recursos frnanceiros para realizar a revitalização. O clérigo acredita que a conservação estaria garantida se o Museu dos ExVotos fosse, de fato, registrado como tal."Por isso a gente quer dar um passo nesse sentido", acrescenta ele. Longe de querer se lamentar ou ficar de braços cruzados, o frei também já tratou de incumbir arquitetos e museólogos da tarefa de fazer o projeto arquitetônico e orçamentário. Ele, inclusive, arrisca dar algumas sugestões. como transferir o acervo para um espaço maior. Pelo acúmulo de peças, esta uma idéia justa.
Esse espaço seria um salão ao lado da Capela da Ordem Terceira do Carmo, datada de 1739, também conhecida como Carmo Pequeno. "Isso facilitará o acesso dos visitantes e talvez também dê uma visão de conjunto melhor, uma vez que é uma única sala para o museu", explica o religioso.
Entre as medidas mais urgentes está a imunização do acervo, que hoje é formado por cerca de 2 mil peças, as réplicas de partes do corpo humano, entre elas cabeças, pernas, pés, mãos, rins, coração - todas de madeira. As poucas estantes do museu, por exemplo, estão carcomidas por cupins. "A gente pretende ter uma atenção maior com esse espaço com um trabalho de imunização para evitar qualquer prejuízo às peças e, conseqüentemente, também ao prédio, que é de madeira", declara o clérigo, que ainda apela: "Uma vez que o Museu é um patrimônio do povo de Sergipe, e de fé, eu espero que a gente possa contar com o apoio dos devotos".
COMPROVAÇÃO
O ex-voto é a comprova ção da graça recebida. Trata-se de uma crença muito antiga que, pela presença de santos e santas, induz a atribuir essas expressões da cultura popular exclusivamente ao mundo católico. Mas éum erro, segundo a pesquisadora Esther Karwinsky. "Na realidade, são difundidas no mundo inteiro e se encontram desde a Antigüidade entre assírios, egípcios, gregos e romanos", afiI'ma ela, em artigo publicado em coletânea do Encontro Cultural de Laranjeiras de 1993.
Em São Cristóvão, essa tradição está associada à devoção a Nosso Senhor dos Passos. Todos os anos, durante a Quaresma, milhares de pessoas de vários cantos de Sergipe se deslocam ao município em sinal de respeito e fé, levando peças e mais peças, que ajudam a construir a impressionante catedral de ex-votos. "Senhor dos Passos, que é o próprio Cristo, é o santo de devoção de quase todo o povo de Sergipe. De Lagarto, por exemplo, vem uma multidão de gente, muitos, inclusive, vêm a pé", informa o frei João José Costa.
Perguntar a um sancristovense se fazer promessas ainda é um costume cultivado é quase um sacrilégio. “Aqui 90% das pessoas pagam promessa a Nosso Senhor dos Passos", garante a auxiliar de serviços gerais Mana Nivalda, que veste branco ao longo da festa. Mas há quem use roxo, por exemplo, como é o caso da secretária Epifânia Pinto Fontes, que conhece bem o poder do santo. "A minha fé é inabalável. Não tenho palavras para Nosso Senhor dos Passos. Aqui eu acho que até os crentes respeitam", acredita ela.
"Pra quê propaganda maior do que essa? Você está numa situação gravíssima e, de repente, recebe de Deus uma graça especial e a sua vida se transforma, sua saúde melhora. Isso se torna a maior propaganda, principalmente diante de uma nação que é marcada por tantas enfermidades, até diante da deficiência do sistema de saúde que faz com que o povo busque em todos os lugares, e principalmente em Deus, a cura do corpo", diz o frei.